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STF cruza linha perigosa e atrai mais pressão contra si
Por MSN | Postado em: 17/04/2019 - 10:14

"Diferente", "inusitado", "inovador", "polêmico" e "excepcional" são algumas das expressões utilizadas por Eloísa Machado e Carlos Ari Sundfeld, professores de Direito da FGV São Paulo, para descrever o inquérito aberto há um mês por ofício pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Antonio Dias Toffoli, para apurar fake news e atos de difamação contra o tribunal. Já "péssimo", "perigoso", "esdrúxulo" e "insustentável" servem para descrever a crise gerada pelos mais recentes resultados do inquérito aberto— a censura de uma reportagem da revista Crusoé que citava o presidente do tribunal, os oito mandados de busca e apreensão realizados pela Polícia Federal em vários Estados, a queda de braço do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso designado a dedo por Toffoli, e a procuradora-geral Raquel Dodge —, além do desgaste e da pressão que isso gera para o STF.

A origem da mais recente crise envolvendo o Supremo está no julgamento que determinou que crimes relacionados a caixa 2 de campanha devem ser encaminhados para a Justiça Eleitoral. A decisão foi considerada uma derrota dos procuradores da Operação Lava Jato, mas abriu as portas para protestos, nas ruas e nas redes, contra o tribunal. Naquele mesmo dia, 14 de março, Dias Toffoli decide abrir o inquérito valendo-se de uma norma interna que permite o tribunal começar uma investigação de crimes que acontecem dentro de suas dependências. "O Judiciário não tem poder de ofício, em princípio, de fazer investigação própria. Isso cabe à policia e ao Ministério Público. E depois ao Ministério Público propor ou não a continuidade de inquéritos ações penais", explica Sundfeld. "Em matéria de coisa inusitada, essa provavelmente é difícil de bater", acrescenta o especialista, para quem é "bastante perigoso esse tipo de processo sendo tocado por iniciativa do próprio Supremo", algo que vai contra sua própria história de defesa das liberdades.

"É impossível analisar esse momento específico sem entender que o tribunal está agindo na base da excepcionalidade há alguns anos, e sempre em relação à Operação Lava Jato", argumenta Machado, coordenadora do grupo Supremo em Pauta. Ela cita o afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara e sua posterior prisão, a crise gerada pelo afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado, a decisão de Gilmar Mendes de suspender a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro, a decisão de Luiz Fux de censurar a entrevista que a Folha de S. Paulo e o EL PAÍS fariam ao petista na prisão ou ainda o embate entre Tofolli e Marco Aurélio no final do ano passado com relação à prisão em segunda instância. "Na hora que o tribunal vai contra a maré ou contra a vontade de procuradores da Lava Jato, há essa reação muito grande contra o tribunal, que para se defender instaura um inquérito que é juridicamente indefensável", acrescenta. Para ela, o problema não está só em instaurar de ofício o inquérito. "O grande problema é que não deveria correr no Supremo. Como é que você vai instaurar um inquérito onde as supostas vitimas são os investigadores e também os julgadores?", questiona.

Outro problema do inquérito é que ele é "absolutamente indeterminado", isto é, não está direcionado a pessoas específicas. "Quem são os investigados? Todo mundo que está criticando e falando sobre o Supremo? Quem são? De que crime estamos falando? Difamação? Ameaça de morte?", questiona. O inquérito está sob sigilo e, em sua opinião, falta transparência.

Para Sunfeld, a crise aberta com a abertura desse inquérito, que resultou na censura à revista Crusoé e os mandados de busca e apreensão desta terça, "é mais um elemento na construção de da imagem de um poder que extrapola", algo que "é péssimo do ponto de vista da imagem institucional". Não há "consenso mínimo nem nas instituições brasileiras", uma vez que a própria procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu pelo arquivamento do inquérito, algo negado pelo ministro Alexandre de Moraes. "É uma operação de risco o que vem sendo efeito. E é muito ruim que uma instituição arrisque a perder a legitimidade, que não é dada pelo conteúdo de uma decisão favorável ou contra a opinião publica, mas pela sua coerência com a ordem jurídica e sua jurisprudência. E, nesse caso, é tudo muito inovador e surpreendente. E perigoso", acrescenta o especialista.

Existe uma disputa aberta entre procuradores e juízes da Operação Lava Jato e ministros do Supremo, o que vem levando a reações e manifestações em ambos os lados. Em artigo, um procurador chegou a mencionar um possível golpe do STF contra a operação. Além disso, a prisão do ex-presidente Michel Temer foi vista como uma resposta do juiz Bretas à decisão do tribunal de enviar crimes de caixa 2 para a Justiça Eleitoral. "Esse inquérito é uma forma de defesa do tribunal, mas não é uma saída para essa defesa, porque fragiliza o mais importante: agir com transparência, imparcialidade e independência ao guardar a Constituição", opina Machado.

Também chama a atenção que, até o momento, os demais ministros do tribunal não foram acionados. As decisões não são do colegiado, mas sim do presidente Dias Toffoli e do relator Alexandre de Moraes. "É possível que estejam vendo coisas que a gente não sabe ou não consegue ver. Eles podem estar suspeitando que há um golpe em curso contra o tribunal e estão mostrando que vão reagir, ainda que seja inusitada do ponto de vista jurídica", especula Sundfeld. Ainda nesta terça, o Buzzfeed publicou que, segundo ministros ouvidos pelo portal, "advogados de Marcelo Odebrecht fizeram chegar ao STF a alegação de que houve pressão de procuradores para que ele apresentasse o nome de Toffoli em sua delação – mesmo sem envolvê-lo em crime". Além disso, o Buzzfeedinforma que ministros próximos a Toffoli creditam o desgaste que o presidente do STF vem sofrendo aos procuradores da Lava Jato, com objetivo de criar constrangimento diante de uma possível mudança na decisão que autoriza prisões em segunda instância. "Isso é muito grave", diz Machado.

Especialmente grave foi também a decisão de censurar a revista Crusoé, que apresentou uma reportagem na qual Toffoli era citado em uma delação como "amigo do amigo do meu pai". "Não estamos falando em fake news, mas sim de um documento que existe em determinado processo e que envolve determinadas autoridades. Se isso é verdadeiro ou não, só a investigação vai responder", diz Machado. Ela lembra que outros ministros foram citados em delações e conversas nos últimos anos, sem gerar censura de qualquer tipo. "Não é porque um delator cita algo que isso passa a ser verdade. Agora, a imprensa tem absoluto direito de reportar o que está acontecendo. A decisão de Alexandre de Moraes desconsidera a liberdade de imprensa, a importância do trabalho jornalístico e promove censura, sim. Não tem outra expressão para caracterizar isso, assim como a decisão de Fux de censurar a entrevistar a Lula", acrescenta.

Machado ainda opina que a PGR apresenta uma postura “muito vacilante” com relação aos barulhentos procuradores da Lava Jato. Além disso, ainda existe o interesse de Dodge em ser reconduzida ao cargo pelo presidente Jair Bolsonaro. Assim, acredita ser “estranha” a nota da última sexta dizendo que a delação e os e-mails de Odebrecht citando Toffoli não existiam nos autos do processo. É o contrário do que diz o juiz federal Luiz Antonio Bonat, que nesta terça mandou retirar o sigilo da decisão que encaminhou os documentos para a PGR na última sexta, às 19h04 da noite.

A situação vai ficando ainda mais “esdrúxula” e “difícil de explicar” a partir do momento em que a PGR manda arquivar um inquérito que não está no âmbito da PGR, explica Machado. Para ela, foi a apresentação de uma posição pública. Já para Sundfeld, Dodge manifestou de maneira adequada sua visão, “dentro da ortodoxia de suas funções”.

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